Violência Psicológica: Palavras que machucam
“Tudo era lindo e incrível. A gente vivia na balada”, lembra a fiscal de operações Paula F, 29 anos, sobre os três anos e meio em que namorou antes de se casar. Mas depois de dois anos de casamento, a harmonia deu lugar a um ciúme injustificável por parte do marido. “Ele ia aos happy hours da empresa dele e voltava de madrugada. Quando era a minha vez, ele me ligava à meia-noite em ponto e gritava: `Onde você está? Não é hora de mulher casada ficar na rua!.” Se eles saíssem juntos, a situação não era melhor. “Em churrasco de amigos, ele falava: Para de dançar agora. Você está fazendo papelão, está ridícula.”
As cobranças e insinuações negativas sobre seu comportamento provocaram tanta ansiedade que Paula engordou 23 quilos nos quatros anos de casamento – foi de 63 kg para 86 kg. “Eu só comia. De desespero. Não sabia o que fazer e descontava na comida”, conta. Para o marido, o novo peso dela virou mais um motivo para ofendê-la. “Se visse uma chamada no meu celular de um número estranho, dizia: Você é uma gorda, uma vagabunda”, lembra Paula, que só pôs um ponto final na situação em janeiro, quando eles se separaram.
Casos de violência psicológica – que era o que Paula sofria do marido – geralmente começam de um jeito bem disfarçado. A princípio, o ciúme doentio pode ser confundido com cuidado, e a humilhação pode soar como brincadeirinha. Aos poucos, a vítima vai ficando isolada (dos amigos, da família) e com a autoestima baixíssima, o que torna mais difícil uma reação. “Eu realmente passei a me achar um lixo, uma ‘balofa’, como ele gostava de me chamar”, diz Paula. “Não contava pra ninguém porque tinha vergonha. Fazia de tudo para o casamento dar certo. Poxa, eu finalmente tinha marido, casa, carro, tudo que era meu sonho.
FALSA PROTEÇÃO
Parece até coisa de outra época, mas o receio de assumir que o casamento ou o namoro não está funcionando ainda é um motivo que leva mulheres a se submeter à violência. “Para algumas delas, não ter um parceiro representa um fracasso. Em nome disso, qualquer coisa vale”, diz a psicanalista Carolina Scheuer, que está acostumada a receber em seu consultório pacientes que sofrem do problema. “Mesmo extremamente infelizes na relação, elas têm a sensação de amparo.”
“Protegida”, embora apavorada, é como a assistente financeira Maria*, 28, se sente em relação ao ciúme do namorado – que já grampeou o telefone da casa onde ela mora com os pais e instalou um rastreador de informações em seu computador. Apesar de tudo isso, eles estão prestes a se casar, após três anos de namoro. “Não sei por que insisto. Acho que é para não ficar sozinha”, diz. “Não teria mais ânimo para conquistar ninguém. Sabe aquele tá ruim, mas tá bom?”
Uma mulher que embarca numa relação assim geralmente já está com a autoestima baixa antes de o namoro começar. E o que acontece em seguida só piora a situação. É por isso que virar o jogo exige muito esforço. “Depende da vontade dos dois em melhorar e do grau de violência e humilhação envolvido”, diz Carolina. “Quanto mais intenso for, menor a chance de mudança.”
As tentativas da publicitária Joana*, 27, por exemplo, não deram resultado. A gota dágua foi quando o namorado reclamou – durante uma transa – que ela estava com muita celulite no bumbum. “Pensei: `Não posso ter tão pouco amor próprio a ponto de achar isso normal“, diz. Os comentários maldosos sobre o seu corpo eram frequentes. Quando ela usava biquíni, ele imitava barulho de pneu para insinuar que ela estava acima do peso.
Para o namorado, era uma “brincadeira” – mas estava longe disso. “Diversão é algo para ser vivenciado junto com o outro, e não por meio da desqualificação”, explica Adelma Pimentel, professora de psicologia da Universidade Federal do Pará – e autora do livro Violência Psicológica nas Relações Conjugais. Junto com o desrespeito, o domínio também é uma marca da violência psicológica. “Quando tudo o que a pessoa faz é ruim na opinião do outro, há desrespeito”, diz Carolina. “Já o domínio se expressa principalmente nas orientações de conduta. Como quando o homem diz: Essa roupa é para vagabundas.”
CONTROLE TOTAL
Outra forma comum de domínio é fazer com que a namorada se afaste dos amigos – e perca seus referenciais afetivos. Foi o que aconteceu no primeiro namoro da estudante de design Joyce B, 23. “Ele queria que eu vivesse só com ele. Até minhas amigas lésbicas eram uma ameaça!”, diz.
No começo, Joyce achava o ciúme do namorado “bonitinho”. “Pensava: `Ele me ama.” Mas a situação chegou a um ponto em que, durante as viagens à praia com os amigos (dele, claro), o cara a obrigava a vestir as bermudas e camisetas dele, em vez de seus shorts e vestidos. “Até que passou a ameaçar fazer uma besteira se eu terminasse. Quando percebi, não tinha mais para quem pedir ajuda.”
Como ela rompeu o ciclo? Admitindo aquele velho ditado: “Antes só que mal acompanhada”. “Dá para sobreviver em uma situação assim. Mas uma coisa é sobreviver, e outra é ter uma vida de verdade“, define, com perfeição, Carolina Scheuer.
SINAIS DE ALERTA
Um cara está cometendo violência psicológica contra a namorada quando…
//…quer determinar o jeito como ela se veste, pensa, come e usa as redes sociais.
// …critica qualquer coisa que ela faça – tudo que tem o dedo dela é ruim e errado.
// …desqualifica as referências afetivas dela. Ninguém mais pode ter importância na vida da namorada – nem amigos, nem família.
// …a xinga de “vagabunda”, “imprestável”, “retardada”…
// …promove situações de humilhação – que geralmente têm a ver com o corpo dela – disfarçadas de brincadeira.
Fonte: mdemulher