Diferença de idades x diferença de interesses

Diferença de idades x diferença de interesses

Hellen e eu, recém-casados, temos 32 anos e três meses a separar nossas respectivas datas de nascimento. Parece muito, mas…

Desde que nos conhecemos, ficou clara entre nós uma visão de mundo muito semelhante. As formas como contemplamos a Existência e como nos relacionamos com a sociedade e com cada indivíduo são, senão idênticas, notavelmente próximas. Com o tempo, outras afinidades foram sendo descobertas, de tal forma comuns que restou clara a necessidade de estarmos juntos sob a mesma habitação.

A diferença de idades não nos fugiu da percepção, tanto mais quando fomos lembrados dela por amigos e familiares, preocupados com um fator evidente a nos diferenciar. A nós, porém, tal dado é simplesmente irrelevante. E o é justamente porque nossas almas se entrelaçam correspondentes.

Alma é um conceito um tanto esotérico. Utilizada na antiguidade como sinônimo de pensamento, intelecto ou “mente”, a “alma” em nossos dias costuma estar associada ao que foge ao prático e ao corriqueiro, evocando os sentimentos mais etéreos, o encantamento que alguns chamam “paixão”, palavra outrora empregada apenas para expressar sofrimento. Almas gêmeas seriam, portanto, aquelas tocadas por sentimentos recíprocos, sem relação necessária com a vivência cotidiana, plena de obrigações com terceiros e tarefas nada glamorosas.

Prefiro para o caso dos casais a versão antiga para “alma”, ligada ao pensamento, ao intelecto e, por extensão, aos interesses intelectuais e ambições pessoais (a “alma” inclinada a). Se a paixão costuma ter melhor curso nos primeiros anos de recíproca, a forma como ocupamos nossa capacidade de pensar e nosso agir consciente, planejado, tende a uma trajetória constante. É o casamento dessa última forma no par que irá determinar a qualidade e perenidade da relação e, mais, desmentir que a paixão seja passageira. Ela só é passageira se na base formada pelos interesses não houver afinidades.

Pesquisas com base em estatísticas e observações rigorosas encontraram uma média de cinco interações positivas para cada interação negativa nos casais felizes. Já os que se divorciaram tinham em média 0,8 interação positiva para cada interação negativa. É evidente que as interações positivas advêm de afinidades baseadas em interesses em comum. As mesmas pesquisas apontam para dados fundamentais à boa relação: quantidade de tempo gasta em conversas (cinco horas a mais em casais felizes), amizade (solidariedade e atenção), elogios honestos (sim, você é linda e inteligente mesmo, e convém que eu sempre me lembre e fale disso), prestar atenção a detalhes, relembrar situações divertidas, preparar aquela comidinha especial. Fazer coisas novas juntos e demonstrar interesse nas atividades acadêmicas ou laborais do parceiro também fazem diferença.

Quanto ao sexo, é fundamentalmente questão de química. Os feromônios reinam aqui quase absolutos, mas costumam, na relação estável, longa, consultar mais e mais as afinidades ideológicas, ou seja, o pensamento de cada elemento do par sobre a intimidade sexualmente intencionada. Não deveria ser preciso acrescentar a importância da fidelidade estrita, porém esta não deve ser meramente uma proibição de ordem moral (moral social e do próprio casal), mas um imperativo ético, individual, pois, afinal, como dizia Mark Twain, resistimos a tudo, menos às tentações, e apenas uma disposição ética é capaz de impedir que se chegue à tentação indevida ou emprestar forças para desviar-se dos caminhos da tentação uma vez que se permita que ela se instale. Milênios de história das alcovas comprovam o pouco efeito das regras morais sobre interdições sexuais. Porém a mesma história dá conta do quanto pode a ética pessoal determinar o proceder mais saudável e respeitoso para com o cônjuge legítimo, nossa testemunha íntima.

Há ainda, como me lembra Hellen, o fator empatia nas trocas de olhares. Compreender as vontades e sentimentos do outro depende de estar disposto a prestar atenção na linguagem corporal no par, especialmente da facial, agindo de modo correspondente, é claro, nunca se ignore as vontades de quem melhor cuida de nossas próprias vontades. Não sou muito bom nisso. Homens em geral são pouco habilitados a ler expressões corretamente. Mas há que se tentar, se atentar.

Interesses são determinantes para que todos os fatores que fazem uma boa união ocorram naturalmente ou com pouco esforço. Interesses financeiros também? Perguntará alguém, talvez invocando arraigado preconceito associado às relações com grande diferença de idade (puro preconceito, vivemos numa sociedade de livre escolha do par). Sim, sobretudo interesses financeiros. Pontos de vista coincidentes no casal sobre administração do dinheiro costumam ser fundamentais. Ele e ela entesouradores, que veem no proporcionar segurança a principal função dos haveres contabilizáveis, irão se dar muito bem. Quando um dos dois ou ambos são fanáticos por consumo e não conseguem comprimir as despesas nos limites das receitas mensais ou anuais, a relação irá experimentar desgastes e insatisfações adicionais. Ah, e não importa quanto um ou outro ganhem. Importa mais que sejam comedidos, equilibrados, nos gastos pessoais, não despertando no outro desconfiança de infidelidade financeira, que pode ser tão ruinosa quanto a infidelidade tradicional, sexual e afetiva.

Idades não determinam quem somos. Passaremos naturalmente por todas elas antes de partirmos se tivermos a sorte de “morrer de velho”, a morte naturalíssima, digamos assim. Em havendo diferença de idade, há que se ter poucas diferenças de interesses. Em havendo muita diferença de interesses, de nada valerá aos amantes terem nascido no mesmo dia ou no mesmo ano. De modo que a idade de cada um só não é irrelevante no par porque pode ser muito estimulante quando diferente. É benfazejo mesclar juventude e experiência, duas qualidades que se completam sem se oporem. De mãos dadas, levando conosco a doce identidade proporcionada pelo que temos em comum, andaremos pela vida com nossas almas entrelaçadas, a experimentar as delícias e aprendizados da vida a dois.

 

Fonte: http://femininoealem.com.br